sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Os seguros do Brasil contra a crise

E muito cedo para comemorar, mas o Brasil demonstra, de fato, mais preparado para enfrentar a atual crise externa. Os fundamentos da economia estão mais sólidos do que no passado e as vulnerabilidades, menores. Isto, talvez, explique o comportamento de uma parcela dos investidores estrangeiros que, em vez de deixar o país, estão saindo da bolsa e se refugiando em títulos públicos, à espera de dias melhores no mercado. O Tesouro Nacional, por seu turno, acumulou, para uma possível emergência, reserva estimada entre R$ 100 bilhões e R$ 165 bilhões, dinheiro suficiente para cobrir de três a cinco meses de vencimentos das dívidas interna e externa.
Uma boa fatia dos investidores estrangeiros está tirando dinheiro da Bovespa e remetendo-o ao exterior para cobrir prejuízos sofridos com o vendaval no mercado americano - até segunda-feira, a bolsa havia perdido US$ 340 bilhões em 2008; ontem, fechou em alta, mas o estrago ainda é muito grande. Por outro lado, os investidores que não estão com a corda no pescoço continuam achando o Brasil uma das melhores opções neste momento. Há razões objetivas para apostar no pais.
Em maio de 2006, quando o mercado financeiro mundial sofreu o primeiro dos três grandes abalos dos últimos dois anos, o Tesouro teve dificuldades para rolar a divida pública.O mercado, assustado com uma possível crise na China, perdeu a referência de preço. Em meio ao nervosismo, o governo foi obrigado a fazer um leilão de recompra de papéis, aproveitando folga de caixa que possuía na ocasião.
Em agosto de 2007, quando ocorreu um novo estresse, dessa vez, motivado pela crise das hipotecas americanas de alto risco, o Tesouro já não precisou fazer leilões de recompra porque os fundamentos da economia eram melhores do que os de 2006 e a confiança no Brasil, portanto, maior do que antes. De um ano para cá, os principais indicadores de solvência voltaram a melhorar.
Em 2006, o setor público consolidado (União, Estados e municípios) fez economia em suas contas, excluídos os gastos com juros, equivalente a 3,86% do PIB. Em 2007, essa economia aumentou para 3,97% do PIB, mas, no fim do ano, surgiram dúvidas quanto ao desempenho fiscal do ano seguinte, afinal, o Congresso não aprovou a prorrogação da CPMF e, por causa disso, o governo central perdeu R$ 40 bilhões em recursos.
Ao longo de 2008, ficou claro, no entanto, que a receita perdida não fez falta, uma vez que, movida principalmente pelo crescimento acelerado da economia, a arrecadação dos impostos vem batendo recordes sucessivos. O governo tomou, então, a sábia decisão de elevar a meta de superávit primário para 4,3% do PIB - nos 12 meses concluídos em julho, a economia total do setor público chegou a 4,38% do PIB.
O déficit nominal das contas públicas, que leva em conta o gasto com juros, caiu desde 2006-de 2,90% para 1,86% do PIB (fluxo de 12 meses em julho). A inflação medida pelo IPCA, que, em termos anualizados, ameaçou chegar a dois dígitos em junho, perdeu o impeto nas últimas semanas, caindo a 3,41% - esta não é, de forma alguma, uma batalha ganha, mas as vitórias recentes não são desprezíveis.
A divida pública, em proporção do PIB, diminuiu de 44,72% em 2006 para 40,59% em julho passado.Trata-se de outra boa notícia.O que se deteriorou no período foi o saldo em transações correntes. De um superávit de USS 13,643 bilhões há dois anos, o Brasil deve amargar em 2008, segundo estimativa do Banco Central (BC), saldo negativo de 1,41% do PIB. As condições de financiamento desse déficit são, entretanto, muito distintas das que o pais enfrentou no passado.
Os investimentos estrangeiros diretos estão Financiando com folga o saldo negativo das contas externas. Entraram no país nos 12 meses concluídos em julho, nessa modalidade de investimento, US$ 30,061 bilhões. No mesmo período, o déficit em conta corrente atingiu US$ 19,494 bilhões. O país dispõe ainda de um seguro importante - as reservas cambiais, que chegaram a US$ 207,5 bilhões na segunda-feira e somavam, em dezembro de 2006, US$ 87,8 bilhões.
Nesse cenário, e diante do fato de que o pais ainda paga aos investidores em títulos públicos um dos juros mais altos do planeta, não há motivos, pelo menos para aqueles que não precisam tirar dinheiro agora para cobrir perdas lá fora, para deixar o Brasil. Nas últimas semanas, a demanda de estrangeiros por papéis do Tesouro diminuiu, mas não houve corrida para desinvestir.O estoque de títulos com dez anos de vencimento, lançados pela primeira vez em janeiro de 2007, chegou a R$ 17 bilhões, um valor expressivo. Como os estrangeiros estão saindo da bolsa e a participação em título público não está caindo, no governo conclui-se que eles não estejam saindo do país.
O Tesouro tomou duas decisões importantes. A primeira foi acumular um colchão de liquidez suficiente para resgatar papéis da divida pública interna e externa por um período de três a cinco meses. A medida se justifica. Num cenário de crise aguda, o governo pode não conseguir rolar a divida. A reserva no caixa é mais uma garantia para momentos difíceis.
Em agosto, o Tesouro flexibilizou suas metas de alongamento dos prazos de vencimento da divida para 2008. Reduziu a faixa admitida para o aumento do estoque, de R$ 1,48 trilhão-R$ 1,54 trilhão para R$ 1,36 trilhão-R$ 1,42 trilhão, e passou a tolerar uma participação maior de títulos pós-fixados atrelados à Selic - de 25%-30% para 31%-34%. No que diz respeito aos títulos prefixados, adotou uma meta menos ousada, reduzindo a faixa de 35%-40% para 29%-32%.O momento exige prudencia. Forçar o mercado poderia acarretar custos adicionais de rolagem da divida.
O Brasil, evidentemente, não é uma ilha de prosperidade. A crise já chegou ao país. O crédito externo está mais caro e escasso. O real sofreu uma boa desvalorização frente ao dólar nos últimos dias--de R$1,60 para R$1,82-, o que poderá pressionar a inflação mais adiante, obrigando o BC a estender o ciclo de aperto monetário, o que, por sua vez, reduziria a taxa de crescimento da economia nos próximos meses.
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Tesouro acumula "colchão" de até R$165 bi
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Cristiano Romem é repórter especial e escreve às quartas-feiras.
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