quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

O seguro de vida e a agravação de Risco

Recente decisão do STJ, relatada pelo Ministro Ari Pargendler, entendeu que, se o segurado faleceu em acidente de trânsito quando conduzia seu veículo em estado de embriaguez, o beneficiário não faz jus ao recebimento do capital previsto em contrato de seguro de vida.
A decisão criou imediata polêmica, dividindo opiniões: uns a consideraram correta, enquanto outros a criticaram duramente. O advogado Ernesto Tzirulnik, presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Seguro, recentemente manifestou-se acerca do assunto em breve artigo intitulado “Seguro e estabilidade jurídica”, reproduzido no Cliping n° 1368, da AIDA, de 4 de novembro p.p.
Ernesto Tzirulnik é, para mim e para muitos, profissional brilhante, mas, quanto à sua manifestação sobre o assunto - que envolve o instituto da agravação de risco no seguro de vida -, nossas opiniões não coincidem, embora concorde com sua afirmação de que não se pode equiparar o ébrio ao estuprador, ao latrocida, ao incendiário. De resto, a mim nunca ocorreu que a equiparação fosse necessária para levar o motorista ébrio à perda do direito à garantia do seguro de vida.
Se analisarmos conjuntamente, cotejando-os, os dois artigos do Código Civil que tratam da agravação de risco - arts. 768 e 769 -, veremos que eles regulam de maneira diversa a aplicação do instituto conforme a agravação decorra de culpa ou não do segurado.
A hipótese de agravação sem culpa é regulada pelo art. 769. A agravação resulta de ato ou fato que escapa à órbita de controle do segurado, e, por isso mesmo, embora tenha o segurador o direito de resolver o contrato, obriga-se a garantir o risco - já agravado - ainda por um período de tempo.
Já o art. 768 regula hipótese em que o risco é intencionalmente agravado pelo segurado, e a perda ao direito à garantia ocorre no mesmo exato momento da agravação, independentemente de qualquer condicionante. Agravar intencionalmente o risco significa fazê-lo conscientemente, ou seja, o segurado estará agindo, para utilizar expressão recentemente cunhada pelo Desembargador Sylvio Capanema, com “culpa consciente”, e isto é o quanto basta para levar à perda do direito.
Noutras palavras, embora o art. 768 refira-se a agravação intencional, ele não exige o dolo no comportamento do segurado, no sentido de pretender a realização do risco.
E, quanto a isto, parece concordar o Dr. Ernesto Tzirulnik, que assim se pronunciou em sua obra “O Contrato de Seguro de Acordo com o Novo Código Civil Brasileiro” (TZIRULNIK, Ernesto; CAVALCANTI, Flavio de Queiroz B.; PIMENTEL, Ayrton. RT, 2ª ed., São Paulo, 2003, p. 81.):
“É necessário diferenciar a intenção de agravar o risco da prática intencional de ato que leva despercebidamente a essa agravação. Neste último caso, a solução dependerá da gravidade ou intensidade dos efeitos gravosos do comportamento. Comportando-se o segurado de maneira que a realização do risco ou o aumento da intensidade dos seus efeitos se torne previsível, é de se aplicar a regra da caducidade.”
Por outro lado, não vislumbro, na opinião que defendo nenhuma contradição com o seguro de responsabilidade civil, em que o risco coberto é, nos limites do contrato, o de suportar danos que o segurado tenha causado a terceiros por culpa, até porque, mesmo ao seguro de responsabilidade civil, se aplica o instituto da agravação de risco.
Diga-se, ainda, que o art. 769 remete o intérprete à imediata conclusão de que o risco agravado é aquele que se prolonga no tempo - até porque, não fosse assim, seria impossível a aplicação prática do dispositivo, com a fixação de prazos para segurado e segurador manifestarem-se a respeito. Mas, contrariamente, o art. 768 não distingue a agravação ocasional da não ocasional, não cabendo ao intérprete fazê-lo. E, ainda que “mundo afora” não se aplique a agravação de risco ao seguro de vida, em nosso país ela se aplica.
Embora meus argumentos possam ser um a um, rebatidos, ainda mais se tomando em conta o já mencionado brilhantismo do meu circunstancial opositor, a verdade é que a ousadia desta manifestação pública nasceu, especialmente, em razão da seguinte afirmativa sua:
“É verdade que o art. 768 do Código Civil diz que o segurado perderá o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco objeto do contrato. Mas é o segurado que perde a garantia, e não o beneficiário que perde o direito ao capital segurado.”
Considero que, se o segurado perde a garantia contratual ao agravar o risco, impossível afirmar que o beneficiário não perde o direito ao capital segurado: se não havia garantia contratual no momento do sinistro, como este fato não afastaria do beneficiário o direito ao capital segurado? Se o pagamento do capital decorre da prestação principal do segurador, que é a prestação da garantia, como ocorrerá aquele sem esta?
Relevante, por fim, destacar a importância, para qualquer modalidade de seguro, do equilíbrio entre prêmio e risco e da permanência desse equilíbrio durante toda a vida do contrato. Todos sabem que o cálculo de taxa de prêmio considera, além do mais, a sinistralidade de um período anterior. Assim, se sinistros recusados em razão de agravação de risco forem pagos, por óbvio que a taxa de prêmio será, consequentemente, majorada, a dano de todos os membros da coletividade que adotam a comezinha cautela de não dirigir após beber.
Aproveito a oportunidade para afirmar que não me anima o anseio de ser paladino da sociedade abstêmia. Apenas considero que divergir, em matéria de direito, é tão saudável quanto respirar.
Adilson José Campoy
Sócio da Pimentel e Associados Advocacia

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