terça-feira, 19 de agosto de 2008

O óbvio chega antes do esperado

Notícia recentemente publicada no Estadão dava conta de que o índice dos acidentes com morte nas rodovias paulistas havia voltado aos patamares anteriores à lei seca. De acordo com a matéria, em julho deste ano 191 pessoas perderam a vida nas estradas do Estado, contra 193 no ano anterior.
O banho de água fria chegou mais rápido do que seria de se esperar.
Depois da quase histeria a respeito dos benefícios inacreditáveis proporcionados pela nova tolerância ao consumo de álcool pelos motoristas brasileiros, a notícia obriga os mais otimistas a colocarem os pés no chão. E os pessimistas, a terem um pouco mais de paciência, porque, como já escrevi em outro artigo, uma estatística destas não se faz com dados apanhados em 15 dias ou em um mês. É necessário um prazo mais elástico, que leve em conta as variáveis envolvidas nas rotinas do trânsito, nas diferentes regiões brasileiras.
De qualquer forma, a volta dos acidentes aos índices anteriores é preocupante, principalmente pela rapidez com que aconteceu. A notícia boa é que os acidentes sem vítimas apresentam uma redução mais substancial na análise do mesmo período.
Ainda que a queda do número total de acidentes tenha sido mais acentuada na primeira quinzena de julho passado, logo após a entrada em vigor da lei seca, a queda no total do mês, em comparação com julho de 2007, ficou pouco acima de 9%, o que não deixa de ser significativo.
Todavia, antes de manter a afirmação de que este bom desempenho se deu primordialmente por causa da lei seca, é necessário verificar o peso dos outros fatores que impactam o trânsito e o número de acidentes.
Se as seguradoras fossem rever seus preços agora, apenas com base nestes números, provavelmente não haveria qualquer alteração em seus prêmios. Pelo contrário, elas ficariam de sobreaviso, em compasso de espera para um aumento, em função da progressão do número de acidentes com mortes, ou seja, acidentes em boa parte com perda total do bem segurado, dos veículos dos terceiros e do aumento das indenizações para feridos e mortos, incluídos os motoristas e os passageiros dos veículos segurados.
Para sorte dos segurados brasileiros, não é assim que os preços dos seguros são calculados. Não é um desvio médio apurado no prazo de 15 dias que faz com que as seguradoras revejam seus preços para cima ou para baixo.
O que as seguradoras fazem, inclusive por ser questão de bom senso, é tomar um período de pelo menos um ano e compará-lo, levando em conta as mudanças de cenário, com os anos anteriores. Por exemplo, neste momento a indústria brasileira bate recorde em cima de recorde, transformando-se na sexta indústria automobilística do mundo. Com base em estatísticas confiáveis que mostram que a frota nacional até 3 anos de idade está em sua maioria segurada, pode-se dizer que um número maior de veículos zero quilômetros está sendo segurado. Ou seja, as seguradoras estão recebendo mais prêmios para pagar sinistros que não aumentam na mesma proporção. Então, é possível dizer que no ano que vem pode haver uma queda de preço no seguro, mais por conta do aumento da frota segurada do que pelo impacto da lei de tolerância zero nos sinistros.
Como toda moeda tem dois lados, os números das estatísticas sobre os acidentes com vítimas fatais em julho levantam dois problemas que, ainda sem base técnica, começam a pipocar nas rodas noturnas. O aumento da corrupção, que faria com que os efeitos da lei se perdessem nos bolsos de agentes mais interessados em arrumar a própria vida, e o aumento dos grandes porres, conseqüentes da liberação de todos os limites para aqueles que adotaram o taxi ou outros transportes alternativos como solução para continuarem bebendo. São dados ruins, que se somam a uma estatística ruim e que também têm custo para o Estado. A corrupção pode ter achado mais alimento. E o aumento dos porres com certeza terá reflexo nos custos do SUS, pelo aumento do número de outros acidentes, além dos de trânsito.
Antonio Penteado Mendonça é advogado, sócio de Penteado Mendonça Advocacia, professor da FIA-FEA/USP e do PEC da Fundação Getúlio Vargas e comentarista da Rádio Eldorado.

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